- Entre tantas e tantas perdas, eu e meu parceiro Luciano Almeida Franco estamos desolados pela despedida abrupta de Edson Montenegro, multiartista que interpretou nossa canção "As estrelas", em nosso disco "Sonho ou Canção", ladeado exclusivamente pelo piano de Silvia Goes.
As matérias que saÃram neste domingo sobre Edson, mais uma vÃtima fulminante do PaÃs em que estamos todos ameaçados a cada instante pela negligência e pela necro polÃtica, destacaram, além de todos os seus méritos artÃsticos, como ator do filme "Cidade de Deus" e cantor de enorme sensibilidade, a gentileza e a educação com que tratava a todos.
E essa é uma decisão polÃtica também. Das mais profundas. Ser gentil, atencioso, educado, cuidadoso com as pessoas, em tempos de brutalidade, medo, opressão, indiferença, exercÃcio de poder econômico, social, de classe, de estado, de status é uma corajosa decisão de quem quer subverter as castas covardes do capital e, sim, mudar o mundo, desembrutecê-lo, reumanizá-lo.
Em junho de 2019, estávamos em São Paulo, eu, o maestro Luciano Franco e nosso querido Edinho Vilas Boas, um dos 16 intérpretes e mais de 25 instrumentistas que reunimos do disco "Sonho ou Canção". Edinho, um cantor negro, assim como Edson e assim como Ray Miranda, também presente no disco, in memoriam. Edson, porém, não pôde participar do show de lançamento que promovemos naquele dia 21, no JazzB, fruto de campanha de financiamento coletivo para promovermos o disco no Rio e em Sampa.
Ao telefone, explicou com toda a atenção e gentileza possÃveis, além daquele timbre marcante, que não estaria na cidade na data. Desculpou-se por não conseguir participar do show e desejou todo o sucesso na apresentação, agradeceu o convite para estar no disco, disse que adorou "As estrelas" e que estaria com prazer em futuras apresentações. Foi uma noite incrÃvel, com Lu Alves, Fabio Torres, Zé Pitoco, Danilo Silva, Arismar Do Espirito Santo, Eni Cunha, Felipe Silveira, Carlinhos Noronha, Paula Tesser e Luana Pontes. Valeria Pereira Xavier e as meninas Marina e Luiza, Ana Versátil e companheiro e filho e amigas e toda a acolhedora equipe do JazzB, além do público que lotou a casa.
Jamais imaginarÃamos que menos de um ano depois nos verÃamos distantes do palcos, dos encontros, dos abraços, por força de uma Pandemia que expõe, a cada instante, os contornos mais cruéis de nossa desigualdade social. Muito menos que a trajetória de brilhante multiartista de Edson, de tantos palcos, peças, filmes, expressões, linguagens, viesse a ser interrompida de forma tão dolorosa. Mais uma voz que se cala. Com ele e com cada um que não precisaria partir agora, morremos um pouco, todos nós.
"As estrelas" (Luciano Franco/Dalwton Moura), com Edson Montenegro e Silvia Goes
