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terça-feira, 9 de março de 2021

Saúde, substantivo feminino: o protagonismo de quem está no ‘front’ da pandemia






Na semana em que se destaca o Dia Internacional da Mulher, em 8 de março, a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) traz depoimentos de mulheres que atuam na linha de frente da pandemia de Covid-19. Todas elas carregam consigo algo em comum: empatia, medo, insegurança e amor à profissão.

O período pandêmico impõe desafios inimagináveis a todos e cobra ainda mais daquelas que estão no front da batalha, tanto pela dor do momento, como pelo desafio de costurar a vida pessoal com a profissional. A Sesa buscou dialogar com mulheres de diferentes áreas, trazendo falas e perspectivas plurais. Cada profissional tem um olhar particular sobre o cenário, mas em todos eles há muito cansaço e esperança.

As profissionais aqui retratadas representam todas aquelas que estão com a rotina atravessada pelo coronavírus, buscando garantir atendimento adequado a pacientes internados pela doença. A Sesa agradece a dedicação de todos os profissionais neste momento tão difícil enfrentado por todos.

“Sinto alegria em contribuir com a saúde dos pacientes, familiares e funcionários”

Patrícia Bezerra trabalha como auxiliar de serviços gerais no Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM). Mãe de três filhos, ela começou a trabalhar muito cedo, ainda com dez anos de idade. “Me sinto guerreira, determinada, batalhadora. Sou mulher de caráter, de honestidade e que sabe respeitar todas as pessoas, mas que também exige ser respeitada”, compartilha.


Orgulhosa da profissão, Patrícia, de 37 anos, se dedica há nove meses à higienização da unidade de saúde. “Amo minha profissão e foi através dela que consegui comprar minha casa, onde vivo feliz com minha família. Sou casada há 20 anos e tenho três filhos maravilhosos”.

O sorriso sempre estampado no rosto é, segundo ela, a sua marca registrada. E ele é genuíno. “A vida precisa ser valorizada. E o meu trabalho é dedicado a isso, valorização daqueles que lá estão. Eu contribuo com a saúde dos pacientes, familiares e funcionários”, diz entusiasmada.

Os dias são difíceis, mas ela garante que trabalhar com alegria muda tudo e ajuda a amenizar a dor dos que estão privados de uma rotina com os seus. “Procuro sempre fazer amizades, estampar um sorriso no rosto. A alegria é capaz de mudar o mundo de muita gente”, ensina.

“O que veio com a pandemia toda é que, se não bastasse o que já usamos de ferramentas para sobreviver ao dia a dia, temos ainda que lidar com o inesperado. Um ano muito difícil em vários aspectos e de pouco autocuidado”

Cinara Carneiro é médica intensivista pediátrica responsável pela Unidade de Terapia Intensiva para Covid-19 do Hospital Infantil Albert Sabin (Hias), vinculado à Sesa, além de paliativista no Hospital Infantil Filantrópico (Sopai). A pandemia, segundo ela, trouxe inúmeras incertezas e uma necessidade de se reinventar adotando novos mecanismos para conseguir lidar com a pressão e o tempo de resposta para solucionar, da melhor forma possível, situações inesperadas do plantão.


“Quando veio a pandemia, nós começamos a lidar e trabalhar com uma doença que ninguém no mundo sabia bem como agir. E você passa a ter que entubar crianças que não tinham perfil de intubação. Você está sobrecarregada e com medo, sempre pensando: será que vou ficar doente e adoecer os meus? Será que vou ser rendida amanhã?”, divide.

Se a equipe está adoecendo, o abalo pode ser maior. Há preocupação com a resposta adequada que se dará aos pacientes. “Nossa saúde mental interfere em toda cadeia de trabalho. Nós acabamos por desenvolver novos mecanismos de defesa. O que veio com a pandemia toda é que, se não bastasse o que já usamos de ferramentas para sobreviver ao dia a dia, temos ainda que lidar com o inesperado”, comenta emocionada.

Os dias têm sido cansativos, mas a médica relata que cada cura renova a esperança de dias melhores. “Eu volto muito cansada, tenho que usar das minhas ferramentas pra poder ficar bem e continuar na minha prática diária, que me traz muito prazer, porque quando a gente consegue dar alta a um paciente da UTI ou assistir aquela criança, que mesmo não podendo curar, eu consegui cuidar até o fim, isso também é exercer a minha prática. Ser médico é também cuidar até o fim”.

A paramentação e os cuidados também interferem muito na rotina incerta dos profissionais da saúde. “Desde que entramos na pandemia, a gente fica mais atento às orientações. No próprio plantão, nós temos muita exigência física com a paramentação. Você tem calor, porque tem a refrigeração para quando não usávamos tantos insumos, se sente sufocada com máscara, sente sede, mas segura, porque você não está podendo se desparamentar. Se trocar, tem risco de contaminação e assim vai”, destaca.

Além do psicológico, ela conta que há uma cobrança física. “Ninguém se prepara pra viver uma situação dessa. Sair dessa rotina e chegar em casa ainda com energia pra ter contato com os seus, contato com quem você é. Você chega em casa e quer dormir, mas estamos há um ano na pandemia, não dá pra chegar sempre e dormir. Você tem que se conectar consigo. Um ano muito difícil em vários aspectos e de pouco autocuidado.”

A pandemia não acabou. E o número de internações vem subindo. “A gente realmente está vivendo a segunda onda. Tivemos momentos de calma, sem tantas crianças com o PCR positivo, mas, após o Réveillon, o perfil mudou. Há muitas crianças internadas. Nesta época chuvosa, já temos um aumento de crianças doentes e isso piora com o novo vírus circulando. Não podemos deixar de crer que teremos mais. E aí volta aquela condição de novo e o medo recomeça. Vou adoecer novamente, meu familiar que não adoeceu vai agora? Tá sendo bem angustiante. O que deu um alívio foi o calendário vacinal”, conforta-se.

Cinara emociona-se ao falar que a empatia precisa ser colocada em prática. “Nós, enquanto sociedade, estamos precisando de empatia e não está sendo fácil. As pessoas estão olhando mais pra si e se fechando, e não se vendo como comunidade”. Ela continua, com a voz embargada: “Eu, sinceramente, quando eu vejo notícia de festa me dá um… Eu não consigo descrever. Vou pro plantão, vejo que estou vendo, vejo a minha equipe doente, o governo abrindo UTIs [Unidades de Terapia Intensiva], mas se a equipe de saúde estiver doente, não daremos conta. Não é só um prédio, nem leito, são humanos, é muito triste. Tenho uma responsabilidade imensa. Quando recebo uma criança com PCR positivo, vou coletar a história e a mãe fez festinha uma semana antes. Poxa…”, lamenta.

“Eu sei o que é estar longe de quem se ama”

Wellida Araújo, de 31 anos, é fisioterapeuta no Hospital São José (HSJ). Durante a pandemia, abdicou de estar com a família para se dedicar a salvar vidas. “Minha missão é salvar. Estou longe dos meus filhos, que estão no Interior com os meus pais e eu sei o que estar longe de quem se ama. Luto pelas vidas, só elas importam“.


A pandemia exige dos profissionais ímpeto. “Esse momento exige que sejamos fortes, porque temos que ficar longe daqueles que amamos para salvar famílias e vidas de pessoas que não conhecemos. Salvá-las é a maior vitória”. As batalhas que Wellida tem de travar diariamente também envolvem outro vírus: o racismo. E este adoece e mata há mais tempo. “A gente já enfrenta muitos desafios só por sermos mulheres. Ainda por cima tem a questão do racismo, por ser uma mulher preta, com muito orgulho. Mas estamos aí para lutar”